Quem não se lembra de sua própria adolescência e seus impasses? Das dúvidas, temores, transgressões e alegrias. Algumas vezes com saudades e outras com alguma angústia, nos deparamos com lampejos de memória que transportam para um tempo onde um turbilhão de emoções foi experimentado.
A adolescência é uma construção histórica. A ideia de uma fase de transição, na qual ritos de passagem entre a infância e a vida adulta ganham lugar é uma “invenção” da era moderna. E, mesmo as memórias que estão impressas em nossa história pessoal são bastantes distintas das experiências dos adolescentes com quem convivemos.
Como a adolescência é vista na contemporaneidade?
A vida contemporânea está atravessada por uma série de transformações profundas que precisam ser examinadas se desejamos lidar com os impasses vividos pela geração atual.
Em primeiro lugar, do ponto de vista do mercado, essa época da vida se materializou em objeto de ambição e consumo.
A vitalidade e o tempo de preparação para o ingresso no universo adulto, próprias deste período, se tornaram um atrativo e, de certo modo, um ideal a ser perseguido pelos outros atores sociais. Padrões de propaganda voltados para a adolescência são objeto de admiração e desejo. Os modos de falar, vestir, as músicas que ouvem, os objetos que usam, os lugares que frequentam são itens de consumo de ampla aquisição.
Também os modos de sentir, pensar e ser adolescentes, tornam-se padrões a serem seguidos tanto pelas crianças quanto pelos adultos. Disto decorre que a infância vem sendo sequestrada e abreviada, com o desenvolvimento de condutas cada vez mais parecidas com as dos adolescentes.
Da mesma forma, muitos adultos se tornam reféns destes mesmos padrões de consumo, quer do ponto de vista material, quer das condutas.
E a consequência disso consiste numa geração de adultos com comportamentos muito similares aos dos adolescentes, impactando a necessidade de definição de papéis, própria deste período. Eles nos querem e precisam próximos. Mas não nos querem “iguais”.
Adolescentes x mídia e tecnologia
Em segundo lugar, destacamos o desenvolvimento e o poder das mídias sobre estes jovens. De braços dados com as imposições do mercado, a mídia estabelece padrões de “ser adolescente”. Buscando aplacar diferenças e silenciar vozes, somente um estereótipo adolescente tem espaço e parece ser valorizado socialmente. E este perfil tem características precisas. O adolescente branco, pertencente às camadas socialmente mais favorecidas da sociedade e capaz de adquirir os bens materiais que lhes confere o sentimento de pertencimento tão necessário ao momento gregário que vivem. Para aqueles que sucumbem à essas exigências, os efeitos têm sido nefastos.
Por último, para compreender o adolescente contemporâneo é necessário considerar o impacto revolucionário das tecnologias, da internet e das redes sociais. Advém daí, uma transformação radical nos modos de subjetivação, na medida em que a relação com o tempo e o espaço muda radicalmente. Talvez seja este, o maior ponto de estranhamento entre as gerações que precederam a atual.
Para o adolescente é praticamente impossível não estar conectado. Seu campo de convivência está irremediavelmente atravessado pelos encontros virtuais. Neste ponto, são várias as dimensões da vida que sofrem seus efeitos.
Se a aceitação pelos seus pares é fundamental, a experiência da inclusão e exclusão nos grupos ocorre numa velocidade que muitas vezes gera instabilidade. O adolescente ainda não está equipado dos recursos psíquicos que podem protegê-lo do desgaste emocional oriundo do conjunto das expectativas geradas por tamanha velocidade e conexão.
A superexposição a qual está submetido o torna ainda mais vulnerável que aquele de poucas décadas atrás. A cultura dos “likes” e das “selfies”, o compartilhamento quase que imediato de imagens e noticias (verdadeiras ou não), a formação de grupos virtuais, os jogos eletrônicos conectados pela internet dentre outros fenômenos geram consequências bastantes nefastas aos nossos adolescentes.
Investem grande quantidade de seu tempo no uso de recursos digitais, substituem os encontros presenciais pelos virtuais. Ou seja, seu campo de experiências forja subjetivações sem precedentes na história.
Os impactos que os elementos contemporâneos causam nos adolescentes
Ousamos dizer que ainda não dispomos das condições teóricas ideais para explicar todos os impactos vividos por um adolescente do nosso tempo.
Entretanto, se ainda estamos construindo as bases teóricas que nos permitirão dar conta de todas as nuances, a observação próxima pode nos oferecer algumas pistas do que impacta o jovem de hoje e de como podemos apoiá-lo.
O cenário apresentado tem gerado sentimentos como o desânimo , a tristeza, a falta de perseverança, a fragilidade e até a dificuldade em estabelecer ideais e projetar seu futuro.
Assim, crescem de forma acelerada, os casos de angústia, automutilação, transtornos alimentares, pensamentos suicidas, tentativas ou suicídios levados a termo. Os números preocupam.
O papel da escola na vida dos adolescentes da geração z
Por outro lado, numa sociedade permeada pela violência maciça e a consequente limitação da vida das crianças e adolescentes em espaços públicos, a escola passou a ser o espaço privilegiado onde todos esses transtornos e fragilidades aparecem. Junto da família, tem o desafio de responder à questões imperativa dos novos tempos.
Como ser esteio e ponto de apoio para jovens que crescem num mundo em que a velocidade praticamente suprimiu o tempo de espera, transformando quase tudo em frustração?
Como ser referência e exemplo, se os adultos aparentam se igualar nos modos de ser e viver e se sentem perdidos quando demandados em seu papel?
Como ter serenidade se a oferta de soluções rápidas, como o uso de medicações, traz a promessa de alivio para dramas que fazem parte da própria existência humana?
Como ensiná-los a perseverar quando o efêmero, o imagético e o instantâneo ganharam status de única alternativa em tempos de hiperconexão?
Se há algo que temos aprendido com nossos adolescentes é que todas essas respostas tangenciam-se num ponto primordial: o diálogo. É lá, onde ele acontece, que cumprimos nosso papel crucial de sermos contorno e sustentação.
Muitas experiências têm sido fecundas. As rodas de conversa com as famílias e com os adolescentes, atividades conjuntas entre estudantes de diferentes faixas etárias, o estimulo à construção de uma narrativa própria sobre seu futuro, a arte como produtora de novos sentidos, e a escuta atenta e respeitosa.
Por outro lado, temos salientado a importância de que possam, em conjunto, construir redes de apoio entre si. Vários momentos protagonizados por nossos alunos têm funcionado como um lugar potente de apoio mútuo, de resgate de confiança e produção de linhas de fuga.
Se estamos onde desejamos? Certamente não. Entretanto, o caminho que buscamos é o do encontro. Para então, encontrarmos novos caminhos.
*O conteúdo deste texto foi originalmente publicado na revista da associação de pais e mestres do colégio São Vicente de Paulo, “A Chama”, edição 102 de setembro de 2019.