Nossos adolescentes amam, estudam, brigam, trabalham e batalham com seus corpos que se esticam e se transformam. Lidam com as dificuldades de crescer no quadro das diversas formações familiares. Eles se procuram e eventualmente se acham.
Estão numa época que alimenta uma espécie de culto desse tempo da vida. E cabe, então, tentar refletir sobre: o que define a adolescência?
Uma metáfora sobre a adolescência
Segundo o psicanalista Contardo Calligaris em seu livro “A Adolescência”, este período se caracteriza por uma espécie de “moratória”. Mas, como compreender a metáfora utilizada pelo autor?
Imagine, que por algum acidente, você vai morar com uma tribo de índios que nunca encontraram homens modernos. Você precisará de 12 anos para estar completamente entrosado com os usos e costumes de sua nova tribo. Os doze anos se passaram. Você fala corretamente a língua, conhece as leis e regras de sua nova tribo, na verdade se sente um deles.
Nessa sociedade, é importante se sobressair e adquirir destaque. Para isso, é bom e necessário, seja homem ou seja mulher, ser um excelente pescador com o arpão e tocar magistralmente o berimbau-de-boca. Você se acha preparado: durante 12 anos olhou, imitou e aprendeu. Agora é ótimo na pesca com o arpão e faz uma serenata de berimbau como ninguém.
Neste momento, os anciãos da tribo lhe comunicam que você precisará esperar por mais dez anos para fazer propriamente parte da tribo e poder competir com os outros de igual para igual. Mas este pequeno “atraso” é para o seu bem! Eles o amam e querem protegê-lo ainda mais um tempo dos perigosíssimos surubins e dos desafios com o berimbau.
Além disso, você não deve se frustrar. Os próximos dez anos serão os mais felizes da sua vida. Poderá pescar e tocar berimbau à vontade, sem assumir as pesadas responsabilidades dos membros da tribo.
Como você acha que encararia o anúncio e a perspectiva desses dez anos de limbo? Provavelmente, experimentaria sentimentos como a raiva, ojeriza, desprezo e enfim, rebeldia. Pois, o que acontece com nossos adolescentes é parecido com o destino dos personagens de nossa história.
Portanto, o adolescente é aquele que teve o tempo de assimilar os valores mais banais e bem compartilhados da comunidade, cujo corpo chegou à maturação necessária para que ele possa se consagrar às tarefas apontadas por esses valores, competindo de igual para igual com todo mundo; e para quem, neste exato momento, a comunidade impõe uma moratória.
Adolescentes e a maturidade
Não será estranho que moças e rapazes nos reservem alguma surpresa desagradável, uma vez impedidos de se realizar como seus corpos permitiriam, não reconhecidos como pares e adultos pela comunidade, logo quando passam a se julgar competitivos.
Pois, apesar da maturação do corpo, ao jovem faltaria “maturidade”. Entretanto, essa ideia é paradoxal, pois a espera que lhe é imposta, é justamente o que o mantém ou torna “inadaptado” ou “imaturo”. Deste modo, o adolescente não pode evitar perceber a contradição entre o ideal de autonomia imposto pela sociedade moderna e a continuação de sua dependência, imposta pela “moratória”.
A adolescência é uma época da vida “feliz”?
Além disso, nossa cultura parece idealizar a adolescência como um tempo particularmente feliz… O adolescente é frustrado pela “moratória” imposta, e, ao mesmo tempo, a idealização social da adolescência lhe ordena que seja feliz. O jovem, ao mesmo tempo que possui diversas obrigações que exigem muito dele, está sendo constantemente lembrado de que esta é a melhor fase da vida e que deve ser muito bem aproveitada.
Por um lado, o adolescente perde a segurança do amor que era garantido à criança. Ele não é mais nem criança amada, nem adulto reconhecido. Qual seria o requisito para conquistar uma nova dose do amor dos adultos, que ele estima ter perdido junto com a infância? Os adultos querem que ele seja autônomo e lhe “recusam” esta autonomia. Querem que persiga o sucesso social e amoroso e lhe pedem que postergue esses esforços para se “preparar” melhor.
A pergunta é inevitável: “Mas o que eles querem de mim afinal?” “Querem que eu aceite esta moratória, ou preferem, na verdade, que eu desobedeça e afirme minha independência, realizando assim, seus ideais?”
O olhar dos adultos sobre os adolescentes
Mas, será que os próprios adultos sabem o que esperam de seus jovens? A adolescência assume assim, a tarefa de interpretar o desejo inconsciente (ou simplesmente não-dito) dos adultos. E, neste movimento de interpretação, o adolescente, por vezes, têm atitudes que desagradam ao adulto gerando conflito entre eles.
Nossa cultura preza a autonomia e a independência de cada sujeito. Por outro lado, a convivência social nos exige enormes doses de conformismo. Para compensar essa exigência, a idealização do “fora-da-lei” tornou-se parte integrante da cultura popular. Não é difícil o adolescente realizar a seguinte interpretação:
O conformismo, ou mesmo o “legalismo” do adulto, é sim, sintoma de um desejo que sonha com transgressões e infrações e que (supõe o adolescente) preferiria um filho “malandro” a um “mauricinho bobo”. Será esta, uma interpretação sem sentido?
O olhar dos adolescentes sobre os adultos
O objetivo do adolescente é se tornar reconhecido como um sujeito adulto. Mas parece que ele acredita que para isso, ele precisa transgredir… Sabemos que a adolescência não é só o conjunto das vidas dos adolescentes.
É também uma imagem ou uma série de imagens a respeito de suas vidas. Eles transgridem para ser reconhecidos, e os adultos, para reconhecê-los, constroem visões da adolescência. Essas visões são também as linhas segundo as quais se organiza o comportamento do adolescente em sua procura por reconhecimento.
A adolescência, através de suas variantes, sempre encarna o maior sonho de nossa cultura, o sonho de liberdade. Por tentar dispensar a tutela dos adultos, a rebeldia adolescente se torna uma encenação do ideal cultural básico.
Com a chegada da adolescência, aparece uma semelhança inédita entre nós, adultos, e nossas “crianças”. Essas já têm corpos, gostos, vontades, prazeres e alguns deveres muito parecidos com os nossos.
A perspectiva da infância, adolescência e maturidade para adolescentes e adultos
A infância é um ideal comparativo. Os adultos podem desejar ser ou vir a ser felizes, inocentes, despreocupados como as crianças. Mas normalmente não gostariam de voltar a ser crianças.
O adolescente não é só um ideal comparativo, como as criancinhas. Ele é um ideal possivelmente identificatório. Os adultos podem querer ser adolescentes. Aos poucos, os adolescentes se tornaram o ideal dos adultos.
Logo, ao interpretar o desejo dos adultos e procurar descobrir qual seria o sonho deles, os adolescentes se deparam com sua própria imagem. O ideal escondido dos adultos são eles mesmos, os adolescentes.
Nestas últimas décadas, as próprias crianças perderam sua especificidade estética.São cada vez mais vestidas como adolescentes.
A própria estética da adolescência atravessa todas as idades e todo o mundo.Nessa situação – em que a adolescência é um ideal global -, o adolescente se torna um ideal para si mesmo. Se a adolescência é isso, por que desejar se tornar adulto quando os adultos querem ser adolescentes?
E por quê desejar o reconhecimento dos adultos se na verdade são esses que parecem pedir que os adolescentes os reconheçam como pares?
Deste modo, ao lidarmos com nossos adolescentes, é importante que tenhamos a maior clareza possível daquilo que nós mesmos esperamos deles e idealizamos para suas condutas. Qualquer coisa fora deste escopo, mais confundirá que trará pistas para a conduta de nossos jovens.
Como profissionais, nós sabemos o quanto a fase da adolescência pode ser desafiadora para suas famílias. Mas estamos trilhando um caminho de elucidação e apoio a este momento da vida em que todos estão tão sensíveis.
Se você deseja receber ajuda profissional para algum adolescente da sua família ou que seja próximo a você, entre em contato comigo. Certamente meus mais de 30 anos de experiência trabalhando em escolas com adolescentes e seus pais serão valiosos.